quarta-feira, 7 de outubro de 2009

O SIGNIFICADO DO CONTESTADO PARA MAFRA-SC

Prof. MSc Sandro César Moreira
Historiador
UnC/Campus Mafra
MUNICÍPIO DE MAFRA-SC - BRASIL

Em 1915, passados 62 anos, vários foram os acórdãos, embargos e indecisões quanto à questão do contestado, iniciada no ano de 1853 entre Paraná e Santa Catarina, quando o então Presidente da República, Sr. Wenceslau Braz, promoveu um encontro entre os governadores dos dois Estados e solucionou a pendência com o acordo de 20 de outubro de 1916.

Assim, em 23 de fevereiro de 1917 e 03 de março do mesmo ano, as Assembléias estaduais do Paraná e de Santa Catarina, respectivamente, reconheceram as linhas do acordo. E, a 03 de agosto de 1917, o Presidente da República pelo decreto nº 3.304, sancionava a homologação do ato, feita pelo Congresso Federal, estava assim encerrada a pendência litigiosa entre os dois Estados.

Deste modo, em 25 de agosto de 1917, a lei catarinense de nº 1.147 criou o município de Mafra, área de 1.383 quilômetros quadrados, o qual contava com aproximadamente 10.845 habitantes, sendo que destes, 2000 eram residentes e domiciliados na sede. O município foi instalado no dia 08 de setembro de 1917 à margem esquerda do rio Negro e tendo como limites demarcados ao norte Rio Negro-PR, a leste Rio Negrinho-SC, a oeste Canoinhas-SC, e ao sul e sudoeste Itaiópolis e Papanduva.

O nome Mafra foi dado em memória ao Dr. Manoel da Silva Mafra, desembargador que defendeu os interesses catarinenses na questão contestada.

Mas, falar em Questão Contestada, do fato que levou ao surgimento do município de Mafra, somos logo remetidos ao tempo do Monge São João Maria de Agostinis e as curas e milagres a ele atribuídas, como também aos conflitos armados sangrentos, quando aproximadamente 20.000 pessoas perderam a vida na área litigiosa.

E nesse aspecto, o questionamento mais comum que muitos fazem é: houve combate do contestado em Mafra? E a resposta não poderia ser outra: Não! Este questionamento e tantos outros são feitos pelo povo local e não sem razão uma vez que a região de Mafra era parte da área em litígio entre os dois Estados.

Entretanto, de todos os conflitos armados deflagrados na área contestada, também conhecida como Guerra do Contestado, um deles, o Combate do Irani de 1912, tem certa relação com o litígio territorial entre os dois estados PR e SC, já todos os demais, citando os mais significativos como o Combate de Taquaruçú, o Combate de Caraguatá, O Combate em Calmon, A morte de Matos Costa, Combate de Santa Maria e outros foram conflitos sociais armados, os quais aconteceram dentro da área litigiosa entre os dois Estados, sem, contudo ter relação direta com a disputa territorial.

Estes conflitos foram um confronto dos habitantes do sertão (caboclos) contra os interesses dos coronéis fazendeiros que a partir do final do Império passaram a se apropriar de terras devolutas na região do atual meio-oeste e planalto norte catarinense e contra os interesses do Capital Estrangeiro instalado na área contestada, representados pela Lumber e Estrada de Ferro, ambos os empreendimentos pertencentes ao empreendedor Norte Americano Percival Faquhar.

O conflito tomou proporções grandiosas, haja vista, o envolvimento de 80% do exército brasileiro, do corpo de segurança pública de Santa Catarina, do Corpo de Segurança Pública do Paraná, dos grupos de jagunços armados liderados pelos coronéis e somando-se a estes o interesse do Capital Estrangeiro, todos contra os caboclos, os quais no início possuíam como armas nada mais do que facões de pau.

Mas, quanto ao município de Mafra, se não houve conflitos armados na região, como este participou da questão contestada?

Primeiramente devemos considerar, que embora não tenhamos tido derramamento de sangue no município, Mafra é resultado direto da questão política entre os dois Estados, visto o domínio do Paraná, e mais propriamente o município de Rio Negro que no acordo de limites foi cortado ao meio, ficando a margem esquerda do rio Negro para SC.

Segundo, o rio Negro era uma importante via de transporte fluvial, cujos atracadouros, localizavam-se em ambas as margens, no centro das atuais cidades Rio Negro e Mafra. As Chatas, como eram conhecidas as barcas, transportavam, além de gêneros alimentícios, madeira e erva-mate, produtos que constituíam a base econômica da região. A erva-mate era trazida da região de Canoinhas e Marcilio Dias para Mafra e desta localidade, em carroções era transportada para Joinville.

E, na época do conflito político e social do contestado, apesar de não podermos mudar a história com relação às operações militares, a geografia hidrográfica da região permitiu, através do transporte fluvial, que fossem trazidos os armamentos e munições até Mafra e, em carroções carregados para as frentes de batalha no morro do Taió e para o cerco do Reduto dos Tavares no alto da região do Craveiro, então interior de Itaiópolis.

Também em Mafra esteve à sede das operações militares sob as ordens e comando do General Setembrino de Carvalho, o qual organizou as 4 grandes linhas de operações, passando e partindo a linha leste (Diário de operações do Gen. Setembrino de Carvalho - 1914), do município de Mafra em direção ao sul.

Assim, finalizando esta pequena abordagem sobre o significado histórico do contestado para Mafra , podemos concluir que o município além de ter sido um legado do processo litigioso entre PR e SC, também foi uma das grandes portas de entrada das operações militares.

sábado, 31 de janeiro de 2009

Embora o município de Mafra tenha o 8 de setembro de 1917 como data de seu aniversário, devemos lembrar, que a data corresponde a criação do município pela Assembléia Legislativa após o término do litígio territorial entre Paraná e Santa Catarina, denominado de Contestado no ano de 1916. Já com relação a origem do povoamento, isto remonta a 1772, que segundo D. Luiz Antônio de Souza sobre o itinerário feito por um prático, da cidade de São Paulo para o Continente de Viamão relata: “[...]O rio Negro he caudalozo, tem canoas e há moradores que vendem alguns poucos gêneros”(1901, p.58).

O relato evidencia tanto o surgimento do povoamento como do comércio na região, para o qual se tem como hipótese negociarem com a pequena população local e em particular com os viajeiros, condutores de tropas de mulas e de tropas de cargueiros.

As tropas cruzaram a região por aproximadamente 200 anos, tendo a rota poucas variantes, sendo o trecho de 40 léguas da Lapa-PR a Lajes-SC um sertão habitado por índios Xokleng e Kaingang.

O trecho cruzado por tantos anos, com tantos animais, sobre o mesmo caminho, deixou no solo profundos sulcos, o que constitui hoje os vestígios da passagem dos tropeiros pela região.

O rumo desse caminho no antigo povoado de Rio Negro registrado em documentos interessantes datados do ano 1772 e em mapas antigos datados do início do século XX e nos manuscritos de Juvino Tabalipa, descreve: “De Augusta Vitória o caminho seguia para o Saltinho, daí ao Morro Grande, a Lagoa Seca e passando por Bela Vista ao Butiá, cujo ponto de pouso era na propriedade do então tropeiro e empreendedor comerciante João Braz Moreira. Do Butiá ao arroio Taquaral, daí as terras de cultura até o rio São Lourenço, passando pelo Quebradente, seguindo para o arroio dos Hau e, deste ao arroio da família Peters. Daí o caminho seguia para o arroio da família Auresvaudt, seguindo para o arroio do paço, já na cidade e, deste ao passo do rio Negro”.

Em Augusta Vitória, na cabeceira do rio Guabiroba, na propriedade da família Portela, encontra-se um caminho fundo, assim por nós denominado, com aproximadamente 1000 metros de extensão, com 1,5 metros de profundidade por 1,5 metros de largura. Nesse local os tropeiros faziam pouso. A hipótese, que se levanta para que o local da Guabiroba tenha sido escolhido como ponto de falha, para o descanso, tanto dos tropeiros quanto dos animais, está no fato da geografia da região se constituir num vale, o que possibilitava a ronda e a segurança dos animais.

Próximo a este ponto de pouso, a poucos metros do caminho, há a gruta de Santa Ermida, na linguagem da população local: Santa Emídia, que segundo eles, foi onde o Monge São João Maria, o qual andava pelo caminho das tropas, teria parado para descansar. A Lapa incrustada num paredão de pedra, com aproximadamente 6 metros de extensão, com 4 metros de largo e com cerca de 2 metros de alto, é abastecida por um riacho, que na gruta forma uma cachoeira, cuja água, para a população, é santificada. Muitos são os devotos a visitarem o local, onde está montado um altar, mantido com muitos santos e flores.

Além da gruta, há um pequeno cemitério, também mantido pelos moradores até os dias de hoje, e sobre o qual contam que: “Quando um grupo de tropeiros parou para fazer pouso, dois tropeiros brigaram por um pedaço de torresmo, e durante o entrevo sacaram os revólveres e, que na tentativa de um defender-se do outro, acabaram atirados os dois, os quais foram sepultados no local”.

A região cruzada por este antigo caminho, na época, era um sertão, “[...]mato de muito máo caminho” (documentos Interessantes, 1901, p.58).Saindo da Guabiroba, os tropeiros cruzavam por um terreno muito íngreme, então localidade de Saltinho, hoje Avencal do Saltinho, numa extensão de aproximadamente 300 metros, sendo que nesse local, encontram-se, muito bem preservados os vestígios do caminho, os quais são caminhos fundos, com mais de 1,5 metros de profundidade, com taipas construídas para evitar o desmoronamento das barrancas do caminho, os quais constituem muros de pedra, só encontrados nas regiões de Santa Cecília e Lages.

A região de Augusta Vitória e Saltinho, no interior do município de Mafra, dentre, todo o trecho do caminho que compreende de Curitibanos ao passo do rio Negro, detém em seu solo ricos vestígios do caminho e passagem dos tropeiros, os quais estão evidenciados nos caminhos fundos, e nas taipas, muito bem preservados. A hipótese para esta preservação, está no fato dos tropeiros terem cruzado por áreas que até o momento impossibilitaram a prática da agricultura e da pecuária. Além do que, muito desses vestígios encontram-se praticamente dentro de uma floresta, com geografia de relevo bastante íngreme.

Do Saltinho os tropeiros seguiam para a região da Sepultura, hoje Bela Vista. Sepultura, nome dado pelos tropeiros, pois, a região era povoada por índios Xokleng e Kaingang, os quais tinham como prática atacar e saquear os viajeiros, o que denota ter sido a região extremamente violenta, daí o nome Sepultura. Mas tarde, a população local mudou o nome para Erveira, dada a grande quantidade de Ervais existentes. E, finalmente a comunidade decidiu pelo nome de Bela Vista, o qual se mantém até os dias de hoje.

A região de Augusta Vitória a Bela Vista, constitui um rico sitio arqueológico, pois, são encontrados muitos utensílios, objetos da cultura indígena, como por exemplo: pontas de flecha, mãos-de-pilão e machadinhas feitos em pedra.

Além dos vestígios arqueológicos, há também um rico sítio paleontológico da Era Paleozóica, Período Permiano, com um tempo de aproximadamente 200 a 250 milhões de anos atrás.
De Bela Vista o caminho segue ao ponto de pouso no Butiá do Braz, no passo do rio Butiá. O nome Braz deve-se a João Braz Moreira, bisneto de Camilo da Maia Moreira, o qual tinha uma sesmaria em São Francisco do Sul. Segundo seu neto Dr. Timotheo B. Moreira Filho, o João B. Moreira, então habitante de Parati, hoje município de Araquari-SC, “resolveu aventurar, vindo para Rio Negro, onde abriu um comércio, primeiramente nos Campos de São Lourenço, mas, por problemas com os imigrantes germânicos, os quais eram a maioria dominante na região, e o João B. Moreira de origem Moura, de cor morena, cor de cuia, resolveu mudar-se para o Butiá”.

No Butiá, ainda segundo seu neto, ele abriu um comércio no ponto de passagem dos tropeiros, e fez em sua propriedade o ponto de pouso desses viajeiros. Além de ser comerciante estabelecido na região, também exercia a atividade de tropeiro, possuía vinte cargueiros, com os quais, carregados de mercadorias, tropeava até a região de Oxford em São Bento do Sul para negociar. Os produtos ele comprava tanto dos tropeiros vindos de São Paulo quanto dos tropeiros vindos do sul.

João B.Moreira [entre 1870-1930], viveu o movimento tropeiro e viu o início da concorrência com o transporte ferroviário. Mafra, então Rio Negro, no início do séc. XX, já dispunha da Estrada de Ferro, através da qual J.B.Moreira fazia o transporte de mercadorias do litoral para o planalto.

Segundo seu neto, o João B.Moreira enriqueceu no Butiá, ele se fez, tanto no aspecto econômico quanto político. A ele se deve o Cemitério, a Escola, a Igreja, e o Comércio do Butiá, que na época era o mais forte, atendia não somente a população da localidade, mas toda a população da cidade, que de carroção, ou a cavalo se deslocava para comprar no Butiá do Braz.

Os vestígios no Butiá estão manifestos nos casarios, ainda mantidos pela família. São construções todas em madeira de imbuia, assim como todas as demais construções da época. O que explica este tipo de construção era a fartura de madeira na região.

No próximo artigo vamos conhecer os vestígios no trecho entre o Butiá do Braz e o passo do rio São Lourenço e, no terceiro e último artigo vamos conhecer os vestígios no trecho entre o passo do rio São Lourenço ao passo do rio Negro. (Prof. MSc Sandro C. Moreira)

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

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